Manifesto de saco cheio dos cults






Para começo de conversa quero definir quem são os cult. Do meu ponto de vista, gente, é claro que é do meu ponto de vista. Não sou a dona da verdade, muito menos poderosa o suficiente para criar um rótulo e enquadrar pessoas de acordo com o que penso. Essa definição é minha, de uso pessoal e intransferível, a menos que você concorde muito comigo e deseje compactuar (para esses, sejam bem-vindos).

Definição: Cult - são pessoas que possuem comportamentos semelhantes, cuja bases residem na utilização de uma cultura considerada intelectual. Em sua maioria, muito ligados à temáticas musicais e artísticas em geral, principalmente as de forte cunho poético e político. Fazem uso de uma moda que dialoga com o estilo básico, clássico e despojado. Estudam áreas de humanas e compactuam com os movimentos sociais sem militância, apenas com posicionamentos (considerados por eles) radicais e em busca de igualdade.

Agora, aqui. Esse é um manifesto feito por alguém de saco cheio dos cults.
Alguém que gostaria de dizer à toda essa turminha que não tá dando mais para suportar a superioridade cultural que arrotam todos os dias. Sério, galerinha, vocês não escutam as melhores músicas e nem tem as melhores referências do mundo. E já passou da hora de entenderem isso.

Fugindo da discussão do MPB, que por si só já é bastante problemática, Caetano Veloso e Gal Costa não são tudo que resumem a música brasileira. Aliás, não resumem nem um pouquinho o Brasil. Eles não são os melhores cantores de todos os tempos que tivemos nem os maiores poetas. Nosso país é muito diverso para isso. Caetano, Gal, Bethânia… essa leva de artistas brasileiros são, acima de tudo, oriundos de um contexto político de muita luta. Foram vozes de uma luta política travada pelo povo e os regimes autoritários. Isso é algo grandioso, claro! Memorável também! E lindo, obviamente! No entanto, queridos cults, a nossa briga política de hoje também tem grandes representantes e, pasmem, não precisamos desmerecer as nossas produções para vangloriar Caetano. Tem lugar para todo mundo.

Vejam só, aí temos o diacho da nova MPB (seja lá o que isso significa). O novo hobbie dos cults. Dando nome aos bois: Liniker, Felipe Cato, As Bahias e A Cozinha Mineira… a geração de artistas que ganhou o coraçãozinho intelectual da classe cultiana. Se eu tenho algum problema com esses músicos? Nenhum! Alguns me agradam, outros nem tanto. Como tudo nessa vida. Eu tenho problema, na verdade, com a dificuldade em aceitar que nem só de nova MPB vive o brasileiro. E, adivinha só? Tem muitos outros artistas que merecem respeito, contemplação e fazem parte da resistência política e social. Não ouvir Liniker não é atestado de menor engajamento político ou de baixa intelectualidade. Registraram?

Fofocas, pagodão, funkzão, sertanejo, fit-dance, macarrão com salsicha… todos esses itens não são menores que os componentes da maneira cult de ser. Acredito que vai chegar um momento em que vocês também vão cansar de só falarem as mesmas coisas, escutarem as mesmas vozes e se comportarem do mesmo modo. Eu cansei de vocês. Estou alérgica ao papo de como a música que Liniker lançou é incrível, já ouviu? Ou que não entende como Anitta pode fazer tanto sucesso cantando aquelas coisas, né? Ou de sair para tomar café e comer uma torta salgada na cafeteria da ladeira da Barra. Ou de jantar com os amigos e o cardápio ser risoto de alho poró (que, por sinal, é uma delícia - mas um macarrão com salsicha pode ser sensacional também). Ou de cuidar do feed do Instagram para que as fotos em preto e branco se alternem com as de paisagem coloridas sempre. Ou de tirar fotos que não registrem de fato o momento, mas sim o conceito do seu pensamento sobre tudo aquilo. Ou de não rebolar a bunda hoje, porque o legal é passar a festa na área externa, fumando um cigarro e reclamando das músicas que tocam na pista de dança.

Tudo bem que vocês queiram frequentar festivais de músicas, onde nunca ouviram falar de nenhuma banda antes, mas todo mundo vai estar vestindo uma camisa do “Led Zepelin” ou de “Gentileza gera Gentileza”. Ah, não podemos esquecer de nos encontrarmos nas feirinhas artesanais, comprar uma cerveja artesanal e escolher quadros novos para a parede do quarto, qual será dessa vez: Frida? Almodóvar? Art-Nouveau? Uma imagem com filtro azul vintage? Tudo bem mesmo vocês continuarem fazendo tudo isso. Só não andem por aí se achando superiores, achando que seus gostos estão aquém dos outros. Isso, cultianos, eu não estou conseguindo mais suportar.

Como alguém pode não gostar de ouvir Caetano? Como pode não gostar de visitar museus com obras de artes? Como não gostar de um provolone? Como pedir sempre pizza de frango com catupiry? Como isso? Como aquilo? Podendo, simplesmente podendo, porque se pode ser diferente de vocês!

Agora me respondam, como podem viver sem fofocar sobre as últimas das novelas? Como podem existir sem dar uma sarrada no ar? Como podem não conhecer o MC Kevinho? Como podem não amar Anitta? Como podem não falar da vida do vizinho que teve uma troca de casal em família? Como podem não saber que Marina Ruy Barbosa fez uma lista de presente, para o seu casamento, de quase 1 milhão de reais? Como vocês podem não saber de nada disso? Como vocês podem viver no mesmo mundo que todos nós assim? Aí vocês respondem: podendo, ué.

Ou seja, tá todo mundo podendo. Tá todo mundo no seu redondo, fazendo suas coisas do melhor jeito que pode. Que bom que vocês são felizes vestindo cores desbotadas e curtindo festivais com bandas desconhecidas. Tem gente que é feliz de outro jeito.

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