Viado, que revolução você está fazendo?



Como mulher, em geral, a maioria dos discursos revolucionários não parecem caber em mim. Talvez realmente eles não caibam.

O problema é que ao meu corpo não é permitido ser livre, e esses textos continuam sem oferecer-lhe libertação. A minha mente também é cerceada, sou testada todos os dias desde que nasci, testada para provar se sou capaz. Vocês entendem o que estou dizendo? Não é um teste para saber o tamanho da minha capacidade intelectual, é para saber se sou capaz de qualquer coisa. Para mim, como mulher, é preconcebido a não capacidade. E, talvez, só seja possível entender o que digo, se também cresceu sobre as dolorosas amarras do “para você, só cabe até aqui, ali não é para meninas”.

Ninguém está preocupado com o aprisionamento que sofro como mulher, as limitações impostas ao meu ser. E quando digo ninguém, estou incluindo todo mundo mesmo. Desde aqueles que lutam (honestamente) pelas suas causas de minorias até quem sequer compactua com minha afirmação sobre a força impositiva do homem. E esse é o maior dos problemas, ninguém se preocupa.

Pode até parecer que no que digo há uma posição enfraquecida, de quem pede por atenção. Se é isso que você percebeu lendo até aqui, com certeza não entendeu nada do que estou abordando. Não é um pedido, não falo de forma baixa ou triste. Pelo contrário, é uma fala dura, segura (muito segura) e sem intenção de alcançar favores. É quase uma fala exigente, de quem não está interessada em muitos diálogos.

Vejam só, eu também não estou escrevendo de maneira agressiva. Ainda que eu concorde que a agressão foi subvertida, em prol da manutenção de um ordenamento que em nada me favorece. Nesse caso, a agressividade só não faz parte do meu estilo no momento (sim, a aceito em tantos outros). O que eu quero mesmo é cutucar a ferida, falar do que me interessa e não estão falando.

Hoje, assisti mais uma produção artística. Mais uma que trata de lugares marginalizados socialmente, que precisam resistir para existir. E, novamente, a mulher não estava lá. Vi, ouvi e fui atingida por essa revolução que está acontecendo, ganhando proporção e formas. Da qual, eu mulher não participa. Escutei milhares de histórias sobre o passado, de como silenciaram e negaram às minhas ancestrais o direito de fazer parte do processo revolucionário. Fomos as coadjuvantes do jogo e, mesmo quando reconheceram o nosso papel, ainda nos negaram o alcance da história contada. Continuamos menos protagonistas.

Agora, dizem que as coisas estão mudando. Se fala em sexualidade, gênero e liberdade. E, eu mulher, ainda me sinto meramente figurante nessa narrativa. O protagonismo ainda reside na figura de quem é homem. A bicha que escandaliza e desconforta a tradição cristão, protagoniza com os mesmos componentes que me oprimem. O salto que desloca o normativo do seu lugar, garante-me um único papel para representar. Mas, ninguém se preocupa.

Assisti cinco bichas revolucionárias que discutem política e fazem política com o seu próprio ser. Todos vestiam figurinos femininos, os mesmos que fizeram parte da composição da minha educação patriarcal. Quando eles se olham no espelho, eles enxergam luta. Porém, eu, quando me olho no espelho, vejo as marcas do sutiã que me apertaram durante todo o dia de trabalho. Sou mulher, e não sou política.

Talvez se eu colocar a boca no megafone e gritar. Será que assim eu consigo fazer vocês, que não se importam, escutarem uma mulher questionando a revolução que está sendo feita? Logo eu que acreditei que o lugar de coadjuvante nunca mais seria meu. Logo eu, vejo o passado contado e questionado, retornando com outros disfarces, destinando a mim, mulher, um lugar que não é o de principal. Logo vocês que falaram tanto em liberdade e que usaram tanto das minhas vestes para subverter. Logo vocês.

A minha revolução aguarda a de vocês acontecerem. É a vez de você, bicha, colocar a roupa que escondo no fundo do armário, para quando eu for estuprada não me culparem ainda mais, levantar a mão da resistência, afirmando que a revolução está acontecendo. Por favor, só não esqueçam de incluir o pronome possessivo, sua revolução.


Aliás, que revolução vocês estão fazendo mesmo?  

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